- Dra. Célia, já salvou inúmeros dentes que poderiam ser considerados dentes perdidos, com regeneração periodontal. Quais são os fatores que tem em conta na sua decisão clínica?
A previsibilidade da regeneração periodontal e recuperação do suporte de um ou mais dentes tem vindo a aumentar nos últimos anos, aliando o conhecimento de como a biologia da regeneração atua aos conceitos da cirurgia periodontal minimamente invasiva. O primeiro fator determinante é sempre o paciente, a sua condição de saúde geral e fatores de risco associados, bem como o entendimento para que a doença periodontal é uma patologia crónica que para ser controlada depende, também, duma mudança ou adequação de hábitos e rotinas. O controlo do biofilme, do tabaco e da diabetes são 3 fatores essenciais no sucesso da regeneração periodontal. Depois são fatores locais, como o tipo de defeito, em que dentes e a mobilidade inicial desses dentes que determinam o prognóstico do resultado final. A regeneração periodontal, muda, sobretudo, o prognóstico desfavorável de um dente. Permite que ele funcione mais tempo em condições de estabilidade periodontal e contribua para uma arcada estética e funcionalmente ativa, sem dor.
- Quais são as principais vantagens do uso de biomateriais em defeitos periodontais?
A regeneração periodontal é a regeneração dum órgão, o órgão de suporte do dente constituído por cemento radicular, ligamento periodontal e osso alveolar. Sabemos que ela tem maior probabilidade de sucesso quanto mais paredes ósseas tiver o defeito e mais profundo e estreito for esse mesmo defeito. Os substitutos ósseos vão, por um lado, ajudar a estabilizar o coagulo sanguíneo (elemento essencial á regeneração periodontal) e as membranas de colagénio reabsorvíveis vão funcionar de parede, vão substituir a/as paredes ósseas perdidas pela infeção periodontal. A estes dois tipos de biomateriais pode-se juntar um produto biológico em gel, com proteínas derivadas da matriz do esmalte, que induzirá a diferenciação celular. Desta forma, induzirá novos cementoblastos a formar uma nova camada de cemento de revestimento da raíz previamente atingida pela doença. Este novo cemento é essencial para que se forme uma verdadeira nova inserção do dente. Pelo fenómeno osteocondutor dos biomateriais, que ocupam o espaço do defeito ósseo, e a partir do coagulo sanguíneo e ligamento, se diferenciarão novos fibroblastos e osteoblastos que promoverão novo ligamento e novo osso alveolar, contribuindo, assim para a regeneração das 3 estruturas do órgão de suporte.
- Relativamente à satisfação dos pacientes, nota diferenças entre salvar os dentes versus substituí-los?
Os pacientes estão cada vez mais informados sobre as verdadeiras vantagens de conservar o máximo de tempo possível os seus dentes. Também já foram percebendo que os implantes dentários não estão isentos de complicações e exigem a mesma dedicação no seu controlo regular que os dentes. E que os fatores de risco que levaram á perda de dentes, quando não controlados, podem ser os mesmos que continuam a criar complicações ao sucesso da reabilitação com implantes. Recebo cada vez mais pacientes (isto, obviamente que pode estar condicionado por ser especialista em Periodontologia), que valorizam os seus dentes e preferem opções de tratamento mais conservadoras que extracionistas. Também já vão percebendo que os implantes são o fim de linha no tratamento de dentes ausentes e que, por isso, deve ser deixada para as situações clínicas em que outras alternativas não tenham previsibilidade de sucesso.
- Como faz o seguimento dos seus pacientes após cirurgia periodontal regenerativa?
O seguimento dos pacientes submetidos a regeneração periodontal é feito num período imediato pós-operatório com recomendações de não escovar ou mastigar para a área intervencionada pelo período de 10-12 dias até remoção da sutura. Eles aplicam, por norma, gelo nas primeiras 12 horas e um gel de clorexidina 2 a 3 vezes por dia sobre a sutura, e podem ter a necessidade de manter um analgésico/anti-inflamatório durante um período de 3 dias. Após 10-12 dias, a sutura é removida e o paciente passa a escovar com escova pós-cirúrgica até fazer 1 mês da cirurgia. Só nessa altura passa para a escova normal e a utilizar os dispositivos de limpeza interproximal, sejam o fio dentário ou o escovilhão. A oclusão do/dos dentes é avaliada nessa altura e depois é reavaliada aos 3 meses e aos 6 meses, altura em que se pode reavaliar, também, a sondagem periodontal. Um raio-X interproximal é feito aos 6 meses de controlo a ao 1 ano de controlo. Os parâmetros clinicos e radiográficas ao fim de 1 ano estabelecem o sucesso da regeneração periodontal.
- E custos? Qual abordagem compensa a longo prazo?
Falando de custos, então, as vantagens de salvar dentes superam largamente as de os extrair. O plano de tratamento periodontal para a conservação de dentes, é na maioria das vezes, para estadios I a III da doença, economicamente mais em conta que o plano de extrair e substituir com implantes. Claro que os implantes, a ortodontia, a prótese fixa, todas essas áreas complementares integram, muitas vezes, o plano de tratamento periodontal, sobretudo para estádios IV da doença. Nestes casos em que os pacientes mostram sinais de perda da função, com abertura de espaços, perda de 5 ou mais dentes por doença periodontal, perda de dimensão vertical, rotações, extrusões, trauma oclusal, etc, a substituição dos dentes perdidos ou com prognóstico impossível, mostra-se imperativa. O estabelecimento duma nova arcada funcional, é essencial para a manutenção do controlo periodontal ao longo do tempo. A manutenção dos dentes compensa sempre, económica e funcionalmente. E adia para o mais tarde possível a reabilitação com implantes, que sendo o final de linha da reabilitação oral, só permite a substituição dos que falharem por outros implantes, muitas vezes com cirurgias mais complexas e com mais risco.
- Aconselharia os seus colegas a salvar mais dentes em vez de os substituir?
Aconselharia, pelo menos, a darem mais oportunidade ao tratamento periodontal no contexto da reabilitação oral dos pacientes. Há cerca de 25 anos atrás, a regeneração periodontal era muito pouco previsível. No contexto atual, a evidência científica valida, com resultados de estudos a longo prazo, a manutenção de dentes severamente comprometidos, na arcada e em função, por mais de 20 anos. Mesmo dentes com comprometimento periodontal até ao ápice, têm hoje, indicação de regeneração periodontal, asseguradas algumas premissas iniciais. É uma verdadeira maravilha clínica poder salvar dentes, aumentar o seu prognóstico de tempo na arcada, e os pacientes ficam reconhecidos. Entendem que fizemos tudo o que era possível, e que pelo menos, adiamos mais 5, 10, 15 anos, a necessidade de os substituirmos. E não é essa a verdadeira ética de conduta profissional á qual nos obrigamos na nossa prática clínica? E se não conseguimos salvá-los, pelo menos que saibamos diagnosticar e reencaminhar para que outros o possam tentar fazer, em benefício dos nossos pacientes e da promoção da saúde oral.