A relação entre sustentabilidade ambiental e Medicina Dentária

20-10-2022

O que é a Medicina Dentária Sustentável? 
Podemos definir Medicina Dentária Sustentável como uma abordagem alternativa à Medicina Dentária Convencional, que reduz o impacto ambiental das suas práticas, mantendo o nível de consumo de recursos em harmonia com a economia da natureza, salvaguardando o ambiente externo através da redução de resíduos e promovendo o bem-estar de todos aqueles no ambiente clínico, mantendo os produtos químicos fora do ar respirável. 
Inibsa

O que é um “dentista verde”? 

Um “dentista verde” é um dentista que segue uma abordagem alternativa à medicina dentária convencional na medida em que a sua prática clínica tenta reduzir os riscos ambientais e a escassez ecológica. A medicina dentária é uma profissão que contribui em muito com resíduos poluentes, consumo de água e energia bastante elevados e enorme desperdício de materiais descartáveis. Por estas razões, constitui uma ameaça para o meio ambiente e revela a necessidade desta prática clínica ser ambientalmente sensível e direcionada para a sustentabilidade. A relação entre sustentabilidade ambiental e saúde tem sido um tema atual e de debate em todo o mundo e os profissionais de saúde têm, cada vez mais, a responsabilidade de considerar o meio ambiente nas suas decisões diárias.  

Qual o impacto ambiental da Medicina Dentária? 

Os consultórios produzem resíduos químicos, perfurocortantes, infetados e gerais, consomem elevadas quantidades de água e energia e contribuem com emissões de dióxido de carbono (CO2). A motivação para reduzir os resíduos e a sua poluição vem sobretudo da compreensão do impacto ambiental inerente a cada um deles. 

O médico dentista, a equipa, os pacientes e mais tarde todos os seres vivos, podem contactar com os resíduos químicos através de metais pesados, soluções de processamento radiográfico (revelador e fixador, que e são usados no sistema radiológico tradicional), desinfetantes e esterilizantes. Estes podem causar cancro, distúrbios reprodutivos, doenças respiratórias, irritação ocular e cutânea e comprometimento do sistema nervoso central.(1-12) Outros resíduos podem ter na sua constituição plásticos, que possuem polímeros, principalmente com substâncias como o cloreto de polivinil (PVC) e ftalato de di-2-etilhexila (DEHP) (produto químico utilizado para tornar o plástico de PVC flexível), altamente tóxicos, e policarbonato, que é um desregulador endócrino(8). Com o seu descarte e a sua incineração libertam para o meio ambiente poluentes orgânicos persistentes (POPs), como dioxinas e furanos, que mostraram ser prejudiciais à saúde e potenciais carcinogéneos(3,8). Os polímeros são ainda capazes de atravessar a placenta e serem transmitidos aos fetos e recém-nascidos. (3) 

O dia-a-dia de todos os consultórios dentários, com todos os dispositivos eletrónicos e a exigência de fabrico de tantos materiais, em plásticos e papel, e o seu transporte, obriga a uma grande produção adicional de energia e consumo de água. Geralmente, a eletricidade é produzida a partir da queima de combustíveis fósseis, tais como carvão, petróleo e gases naturais. Durante os processos de queima são libertados poluentes para a atmosfera, que são os principais responsáveis pelos gases com efeito de estufa. Conservar água e energia permite prolongar a vida dos recursos naturais e economizar dinheiro. Também a produção de papel apresenta um grande impacto no planeta. As florestas são as responsáveis pela absorção do CO2, o mais nocivo de todos os gases de efeito estufa. Destrui-las aumenta o risco de multiplicar o aquecimento global, além de reduzir outros ecossistemas naturais relacionados, como flora e fauna. 

Os dispositivos médicos, a energia, as viagens e transportes, os resíduos e os gases anestésicos, usados também nos consultórios médico-dentários, foram reconhecidos como fontes de alto nível de emissão de CO2. (3,13) As consequências das emissões de CO2 na atmosfera são amplamente conhecidas, uma vez que as alterações climáticas estão à vista de todos. 

Como posso tornar a minha prática clínica e o meu consultório ambientalmente mais sustentável?   

Uma das maneiras mais fáceis de iniciar a transição para uma prática clínica ambientalmente mais sustentável é desenvolver um plano de redução de resíduos, que passa por implementar os quatro Rs: Repensar, Reduzir, Reutilizar e Reciclar. Uma mentalidade voltada para a sustentabilidade e ambientalismo é uma estratégia importante de mudança. Repensar no impacto dos próprios consultórios e quais as estratégias que os mesmos podem adotar é o passo inicial. Em primeiro é preferível evitar a produção de resíduos, reduzindo o seu consumo e em segundo reutilizá-los e recuperá-los o máximo possível, em vez de os descartar em aterros ou incinerá-los. 

Para tornar a transição possível é preciso muito mais do que reciclar papel e plástico de escritório. Entendido o impacto ambiental dos consultórios é necessária uma mudança dos padrões de consumo. Recomenda-se assim: 

  • Procedimentos restauradores dentários livres de amálgama e consequentemente de mercúrio; 
  • Sistema radiológico digital, em vez do tradicional; 
  • Desinfetantes e produtos de limpeza enzimáticos, biodegradáveis, não tóxicos e não clorados; 
  • Tintas com percentagem reduzida de compostos orgânicos voláteis (VOCs);  
  • Tipo de pavimento mais ecológico, como o linóleo, no revestimento das superfícies dos consultórios; 
  • Reciclagem de metais pesados, como mercúrio, prata e chumbo; 
  • Materiais reutilizáveis, em vez de descartáveis;  
  • Materiais em aço inoxidável, metálicos e outros autoclaváveis; 
  • Toalhas de algodão de bloco operatório como babetes dos pacientes; 
  • Toucas e panos de limpeza em algodão, em vez de toalhitas descartáveis, para a limpeza do consultório; 
  • Programa de esterilização mais sustentável: reciclar mangas da autoclave e/ou ponderar o uso de caixas metálicas perfuradas e folhas de esterilização; 
  • Evitar materiais em pequenas doses individuais descartáveis; 
  • Converter o sistema de registos clínicos dos pacientes em papel para registos digitais; 
  • Combinar procedimentos e fazer marcações de familiares e/ou pessoas que vivam juntar em horários próximos, para reduzir o número de visitas e viagens; 
  • Quando for necessária a compra de um material descartável plástico deve-se escolher aqueles que têm na sua composição polietileno (PE), polipropileno (PP) e tereftalato de polietileno (PET) ao invés de PVC e policarbonato; 
  • Sempre que possível reciclar alumínio, vidro, plástico, papel e metal; 
  • Usar barreiras descartáveis, de plástico ou papel somente quando realmente for necessário;  
  • Optar pela compra de produtos com uma embalagem mínima; 
  • Sistema de aspiração da cadeira a seco, em vez de húmido; 
  • Autoclismo com descarga dupla, em vez da convencional; 
  • Sensores de movimento nas torneiras; 
  • Construção de edifícios com resistência térmica; 
  • Termostatos automáticos em sistemas de aquecimento/arrefecimento; 
  • Dispositivos de escritório (impressoras, computadores) e gerais energeticamente eficientes; 
  • Máquinas de lavar e secar energeticamente eficientes, quando aplicável; 
  • Monitor de computadores LED, em vez de CRT; 
  • Desligar os aparelhos quando não estão em uso; 
  • Iluminação LED ou fluorescente compacta, em vez de halogénea/incandescente; 
  • Iluminação com sensores de movimento em áreas onde as luzes possam ser apagadas a maior parte do tempo; 
  • Maximizar a eficiência da iluminação usando a luz do dia através de janelas de vidro duplo e persianas automáticas, que permitam a entrada da luz, mas conservando a temperatura; 
  • Encomendas em volume e pedidos combinados, para que se reduzam embalagens e transportes; 
  • Escolher os fabricantes e os serviços mais próximos; 
  • Uso de tecnologia digital, como por exemplo, o sistema CAD/CAM e impressões dentárias digitais, que reduzem as viagens de pacientes para várias consultas e as idas de material para os laboratórios; 
  • Reutilizar as caixas do laboratório; 
  • Considerar consultórios com maior eficiência energética, assim como formas sustentáveis e autónomas de energia, como por exemplo a energia eólica ou solar; 
  • O gás anestésico sevoflurano, em vez do óxido nitroso; 
  • Serviços mais sustentáveis por parte das entidades que apoiam a prática médico-dentária, tais como as empresas de gestão de resíduos; 
  • Tratamento de resíduos por autoclavagem e micro-ondas em detrimento da desinfeção química. 

A medicina dentária sustentável, para além de ser mais segura para a saúde dos pacientes, da equipa médico-dentária e para o ambiente, já demonstrou ser economicamente viável. O ambientalismo e a sustentabilidade estão a tornar-se rapidamente uma prioridade mundial, demonstrando que a sustentabilidade em medicina dentária não se trata de uma moda ou tendência passageira. 

Ana Rita Cardoso – mds community 

Referências Bibliográficas 

  1. Rahman H, Chandra R, Tripathi S, Singh S. Green Dentistry-Clean Dentistry. Indian J Restor Dent. 2014;3(3):56–61. 
  2. Eram P, Shabina S, Rizwana M, Rana N. Eco Dentistry: a New Wave of the Future Dental Practice. Ann Dent Spec. 2017;5(1):14–7. 
  3. Mulimani P. Green Dentistry: The Art and Science of Sustainable Practice. Br Dent J. 2017;222(12):954–61. 
  4. Saraswathy G, Sujatha A, Narayanan MBA, Kumar SGR, Selvamary AL. Green Dentistry. Int J Oral Dent Heal. 2018;4(9):145–55. 
  5. Farahani A, Suchak M. Eco-Friendly Dentistry: The Environmentally-Responsible Dental Practice. Ontario: University of Waterloo; 2007. 38 p. 
  6. Passi S, Bhalla S. Go green dentistry. J Educ Ethics Dent. 2012;2(1):10. 
  7. Rathakrishnan M. Priyadarhini A. Green Dentistry: The Future. J Int Clin Dent Res Organ. 2017;9:59–61. 
  8. Chartier Y, Emmanuel J, Pieper U, Prüss A, Rushbrook P, Stringer R, Townend W, Wilburn S, Zghondi R. Safe Management of Wastes from Health-Care Activities. 2nd ed. Australia: World Health Organization; 2014. 
  9. Anderson K. Creating an Environmentally Friendly Dental Practice. Chicago Dent Soc Rev. 1999 Mar;12–8. 
  10. Chin G, Chong J, Kluczewska A, Lau A, Gorjy S, Tennant M. The Environmental Effects of Dental Amalgam. Aust Dent J. 2000;45(4):246–9. 
  11. Hiltz M. The Environmental Impact of Dentistry. J Can Dent Assoc (Tor). 2007;73(1). 
  12. Rastogi V, Sharma R, Yadav L, Satpute P, Sharma V. Green Dentistry, a Metamorphosis Towards an Eco-friendly Dentistry: A short Communication. J Clin Diagnostic Res. 2014;8(7):7–8. 
  13. Duane B, Lee MB, White S, Stancliffe R, Steinbach I. An Estimated Carbon Footprint of NHS Primary Dental Care within England. How Can Dentistry Be More Environmentally Sustainable? Br Dent J. 2017;223(8):589–93.