Entrevista ao Dra. Inês Guerra

07-09-2022

Conversámos com a Dra. Inês Guerra, especialista em Cirurgia Oral pela Ordem dos Médicos Dentistas e abordámos temas como a educação em saúde oral, ansiedade e o medo que os mais pequenos têm dos dentistas.
Inibsa

Desde quando se deve limpar os dentes dos bebés? E quando devemos começar a escová-los?

A higiene oral dos bebés deve começar a partir do momento que erupciona o primeiro dente, com escova de cerdas macias e pasta de dentes com mínimo de 1000 ppm de flúor, na quantidade de um grão de arroz crú, de manhã e à noite. 

Porque devemos cuidar dos dentes de leite?

Os dentes de leite ajudam a criança a desenvolver a mastigação, a fala, a autoestima adequadas e outras funções essenciais para o desenvolvimento. Além disso são fundamentais para o nascimento dos dentes definitivos. Um estudo de   demonstrou que a cárie dentária em crianças com 5 anos de idade tem um impacto negativo na sua qualidade de vida.  

Quando deve ser feita a primeira consulta de medicina dentária na infância? E com que frequência?

Segundo a American Dental Association a visita ao médico dentista deve ter lugar no prazo de 6 meses após a erupção do primeiro dente ou, o mais tardar, até ao primeiro aniversário. A frequência das consultas seguintes depende do risco de cárie dentária definido pelo médico dentista nesta primeira consulta. 

Que conselhos deve um odontopediatra dar a um pai? Como ajudá-los nesta área da higiene oral?

Em casa, e para promover dentes e boca saudáveis, é importante que:

  • A partir do primeiro dente escove os dentes do seu filho, com escova de cerdas macias, e pasta de dentes com 1000 ppm de flúor na quantidade de um grão de arroz, de manhã e à noite
  • Introduza o uso de fio dentário a partir do momento que dois dentes se tocam
  • Evite o uso de biberão ou de chupeta de forma prolongada
  • Evite dieta açucarada ou rica em hidratos de carbono, principalmente antes de ir dormir
  • Estimule a mastigação oferecendo alimentos de consistência dura
    Quando estiver a lavar os dentes faça sempre uma observação cuidadosa da boca. Procure alterações de forma, cor, textura na gengiva ou nos dentes. Se encontrar alguma alteração que não saiba identificar marque consulta com o odontopediatra.

Como introduzir as primeiras escovagens?

  • Posição confortável, pode ser no colo (para sentir mais segurança), no banho, na cama, na espreguiçadeira.
  • Escolher uma escova de dentes de cerdas extra-macias.
  • Deixar o bebé sentir a escova de dentes noutras partes do corpo menos sensíveis do que a boca, como as mãos, nariz, bochechas, lábios e por fim dentes, levantando o lábio superior.
  • Começar apenas a escovar durante uns segundos, de forma superficial, e ir aumentando o tempo e a pressão de acordo com a tolerância do bebé.
  • Oferecer a escova de dentes ao bebé e deixá-lo explorar ao seu ritmo, sempre com supervisão.

Como consegue o odontopediatra controlar o medo/ansiedade da criança?

Existem diversas técnicas de controlo de comportamento descritas na literatura e todas elas são válidas e eficazes, desde que a dominemos. Mas eu diria que o mais importante é identificarmos o perfil da criança e a família que está à nossa frente e classificar o medo/ ansiedade. Em crianças pequenas o medo é natural e comum a tudo o que desconhecem, gerando uma ansiedade útil e um stress positivo. Já em idades acima dos 6/7 anos, este medo pode ser subjetivo, mais profundo e baseado em experiências anteriores. Em todos os casos o bom ponto de partida é o contacto visual, transmitir proximidade e fazer exercícios para controlo da respiração da criança. Este processo irá diminuir a produção de cortisol, hormona do stress, baixar a frequência cardíaca e naturalmente relaxar a criança.  

Porque é que muitas crianças têm medo do dentista? Que consequências podem ter este medo?

A ansiedade faz parte do comportamento humano e é uma resposta normal e saudável por parte da criança frente à situação estranha e desconhecida, como é esta consulta. É função do médico dentista ajudar a criança a controlar a ansiedade a um grau suportável e adequado ao procedimento que está a ser realizado, uma vez que este medo pode prejudicar e até mesmo impossibilitar a realização da consulta ou de procedimentos médico-dentários. 

Como podem os pais ajudar nestas situações?

Os pais podem ajudar as crianças a preparar a ida ao médico dentista. Se não puderem entrar a acompanhar, o que neste contexto pode acontecer, devem transmitir confiança à criança, dizendo que vai ficar sempre por perto e que ela já está muito crescida. Evitar colocar acessórios como pulseiras, colares ou brincos. Prender o cabelo, caso a criança tenha cabelo comprido. Certificar-se que a criança não tem fome, nem vontade de ir à casa de banho, antes de entrar na consulta. Fazer três inspirações profundas com a criança antes de entrar na clínica. Podem também recorrer a métodos de meditação com as crianças para ajudar a controlar a respiração, baixar o ritmo cardíaco e, consequentemente, baixar os níveis de ansiedade.

A tecnologia é uma aliada no combate ao medo dos mais pequenos?

A Organização Mundial da Saúde (World Health Organization. (2019). Ending childhood dental caries: WHO implementation manual), num documento de combate à Cárie Precoce de Infância refere e necessidade de identificação de uma plataforma-chave para promover a saúde oral, baseada no contacto direto com as famílias e grávidas, com a entrevista motivacional. E não podemos todos nós fazer isso? Utilizando os nossos canais, seja digitais, através das redes sociais ou contacto frequente via e-mail ou telefone e até estabelecendo parcerias locais para promover os cuidados continuados e assim promover o maior número de consultas, reduzindo o medo de ir ao médico dentista. 

Como consegue criar um ambiente agradável na sua clinica?

Existe um estudo2 interessante que demonstra que a ansiedade foi significativamente maior quando existe um maior tempo de espera, independente do tipo de sala. Logo não adianta ter uma sala muito bonitinha, cheia de brinquedos, se o atendimento não for adaptado. O ambiente adequado ajuda as crianças no controlo das emoções, que possam ter associados a clínicas e consultas no geral. Os brinquedos são ótimos mediadores entre o profissional e a criança. A clínica onde trabalho tem um baloiço que serve muitas vezes para conhecer melhor as crianças, porque sentem-se mais à vontade, por isso são mais sinceras e com comportamentos mais genuínos. O próprio gabinete deve estar equipado para receber os mais pequenos, com cadeiras redutoras pediátricas, e instrumentos pediátricos adaptados a cada faixa etária. Logicamente que isso fará diferença no sucesso do tratamento. 

Como lida com um dia menos bom no trabalho?

Quando fazemos o que gostamos não existem dias menos bom, existem dias mais cansativos! Todos os dias de manhã faço 7 minutos de meditação, o que me ajuda a ter foco no meu propósito e por isso saio de casa já com o sentido de missão para ajudar da melhor forma todas as famílias que me procuram. Ao final do dia não dispenso a minha aula de Yoga. O Yoga trabalha o corpo, e como temos posturas de trabalho menos boas, ajuda a aliviar tensões, e trabalha a mente conseguindo fazer quase um "reset" ao sistema. No final de cada aula praticamos Yoga nidra que é uma técnica de relaxamento profundo que, na minha opinião, faz milagres!

 

  1. Abanto, J., Panico, C., Bönecker, M., & Frazão, P. (2018). Impact of demographic and clinical variables on the oral health‐related quality of life among five‐year‐old children: a population‐based study using self‐ International Journal of Paediatric Dentistry, 28(1), 43-51
  2. Fux-Noy, A., Zohar, M., Herzog, K., Shmueli, A., Halperson, E., Moskovitz, M., & Ram, D. (2019). The effect of the waiting room’s environment on level of anxiety experienced by children prior to dental treatment: a case control study. BMC oral health, 19(1), 1-6.